Contos do Quotidiano

Contos do Quotidiano

segunda-feira, 9 de maio de 2016

"ALELUIA IRMÃ"
Entra pelo autocarro adentro em alegre cantoria.
"Aleluia sr. motorista"- Diz-me com aquele sorriso aberto sempre igual.
"Aleluia irmã"- Respondo-lhe amigavelmente.
"Tenho uma mensagem para vocês, meus irmãos, aleluia"- Gritou na direcção da multidão que enchia o autocarro.
"Aleluia irmã"- Voltei eu à carga já prevendo o desfecho.
"Ouça lá, levantei-me eu ás seis da manhã para trabalhar e tenho que estar a levar com ela? Todos os dias a mesma coisa"- Esganiça-se uma senhora indignada.
"A senhora não está fazer mal nenhum, não ofendeu ninguém"- Diz outra em defesa da pregadora.
"Aleluia irmã"- Digo mais uma vez bem alto para aquecer o ambiente.
"Não estou para aturar esta merda"- Diz a indignada que levanta-se para sair.
"Não está bem, mude-se"- Mais uma voz em defesa da pregadora.
"Sr. motorista, este autocarro está cheio de espírito mau"
"Então faça aí uma reza para acabar com o mau agoiro"- Disse-lhe na brincadeira.
Começa a falar tão depressa que se torna incompreensível. A reza passa a transe e assusto-me com os saltos que dá. Tenho a sensação que está muito nervosa com os comentários vindos do interior do autocarro. Já não fala, apenas grita.
Assim que abro a porta aproxima-se de mim com um livro volumoso que não sei se será uma bíblia  e diz "Sr. motorista, você é irmão, vai ter muita sorte, vou rezar ao Senhor por você".
"Obrigado irmã, aleluia para ti também"- Digo-lhe.  
Fiquei com a ideia que ela acreditou que sou crente, apesar de ser ateu.
Mas a alegria com que saiu a dançar e a apregoar a um Deus em que acredita deixou-me de certa forma satisfeito.
É uma personagem característica da zona da Alta de Lisboa e Lumiar que prega algo que não entendo e que não ofende ninguém apesar de incomodar alguns.
Contra os que se sentem incomodados costumo lançar o rastilho de forma a propagar um  confronto de ideias e opiniões......e é por isso que quando ela entra, digo- "Aleluia irmã".
 

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